quarta-feira, 27 de novembro de 2013
Quem sabe - Por Cris Lavratti
As
horas voavam naquela manhã. Os ponteiros apressados dobravam-nas sem trégua.
Nem um minuto arrastava-se, tudo se ia e ia e ia. E eu ali, parada. Nada em mim
voava. Sentia-me como a própria rocha fincada no solo, sem pernas, sem asas.
Ao
longe avistava as gaivotas que pairavam com seus rasantes sobre o mar
esverdeado, tão límpido que parecia um espelho a reluzir os raios de sol
amarelados. Poucas nuvens dançavam no céu, uma que outra somente e elas
pareciam fitar-me. Também estavam imóveis.
De
repente avistei os passos largos de um pescador que acabara de ancorar seu
barco na praia. Ele corria com um balde e um punhado de peixes frescos, que
ainda saltitavam lá dentro e que acabariam na mesa de alguns dos moradores da
vila.
Já
era meio dia e o meio do dia já se fora. E eu ali, como a rocha. Não sentia
nada, nem vento, nem brisa, nem arrepio. Não sentia nada, somente a inquietude
de não saber voar. Não sentia nada, só uma melancolia arraigada na alma que me
prendia ainda mais àquele solo sem vida. Era apenas uma rocha.
Minha
única caldeira era observar. Observando, eu voava, não de verdade, não como em
um livro ou um filme, eu voava com meus olhos, pulava de uma cena para outra,
mas dentro de mim, não sentia. Nada me tocava, nada me invadia. Nada vezes
nada. E a melancolia me era companheira.
Pernas
fincadas ao chão seco, meus pés são a própria rocha, nem as águas salgadas e
vibrantes do esverdeado mar chegavam até mim. Estava inerte, ocupando um vazio
entre mundos. Ninguém me via, mas eu observava tudo. Ninguém me via e eu não
podia ver realmente ninguém. Só o que era superficial nos gestos e fisionomias
de cada um, nada que realmente valesse a pena, nada que me tirasse daquele
vácuo.
Faltava
em mim preenchimento, vida. Faltava em mim amor, tempestade, chuva. Faltava em
mim saber quem sou ou o que sou afinal. Faltava em mim, eu mesma. E sigo faltando
a quem um dia me amou no ventre, a quem um dia me alimentou e embalou. Sigo
faltando ao céu e aos deuses. Falto ao mar que nem perto chega. Nem musgos, nem
umidade, somente a secura do deserto da rocha, onde de tão quente a pedra, nada
pousa. Sou um emaranhado de nada.
Quem
sabe na próxima, se é que existe uma próxima, os deuses me farão flor
perfumada. Quem sabe assim a inércia não me seja mais companheira. Me dedicaria
inteiramente ao ferrão das abelhas e ao bico do beija-flor. Seria vista, querida,
lembrada. Quem sabe assim, minha alma fosse tocada e a liberdade do encontro me
fosse amiga. Quem sabe.
Assinar:
Postagens (Atom)
-
Cervejaria Abadessa traz mestre-cervejeiro da Alemanha A Cervejaria Abadessa traz ao Brasil pela segunda vez um mestre-cervejeiro alemão. Tr...
-
Nada mais saboroso, acolhedor e próprio para o Inverno do que sentar à mesa e ficar se deliciando com uma seleção de fondues. O tradicional...